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Consciência, Coragem e Amor: Análise Behaviorista de Objetivos da Psicoterapia Análitica Funcional | Parte 1

created May 4th, 17:45 by CaduLuzan


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Introdução
 
Originalmente, a Psicoterapia Analítica Funcional (FAP) foi apresentada com uma série de características: visa à criação de uma relação intensa e curativa entre o cliente e o terapeuta; foi desenvolvida a partir da tentativa de uma análise funcional skinneriana de intervenções bem-sucedidas; e foi proposta como mais adequada a clientes ambulatoriais com queixas envolvendo problemas difusos de relacionamento, como no caso de pessoas com transtorno da personalidade (Kohlenberg & Tsai, 2001).
 
Além disso, a FAP assume o behaviorismo radical (BR) como filosofia fundamental, o que implica em entender dificuldades interpessoais em termos de problemas de comportamento. Uma de suas hipóteses centrais é a afirmação de que os problemas interpessoais do cliente ocorrem durante as sessões, bem como que as melhoras obtidas na terapia se estendem para seus outros relacionamentos, o que é definido pelos autores como generalização (Kohlenberg & Tsai, 2001).
 
Sua teoria e técnica especificavam objetivos comportamentais para o terapeuta e para o cliente, sendo que o terapeuta deveria conseguir implementar a técnica das cinco regras (observar, evocar, reforçar, verificar efeitos das intervenções e promover generalização) contingentes aos comportamentos clinicamente relevantes (CCRs) dos clientes, generalizados da vida cotidiana para o contexto clínico (Kohlenberg & Tsai, 2001).
 
Ao longo do tratamento, a frequência de comportamentos problemáticos (CCR1s) deveria diminuir e a de comportamentos de progresso (CCR2s) e de interpretação (CCR3s), aumentar. Apesar de algumas sugestões de tipos de CCR1s (ex., esquiva da intimidade), de CCR2s (ex., confiar no terapeuta) e da predileção por CCR3s sobre aqueles comportamentos que ocorrem tanto durante a relação terapêutica quanto no cotidiano do cliente, em geral os CCRs deveriam ser definidos caso a caso (Kohlenberg & Tsai, 2001).
 
A partir da difusão da FAP entre terapeutas comportamentais e com o interesse de alcançar novas audiências, além da intenção em desenvolver pesquisas por ensaios clínicos, os objetivos da FAP passaram a ser descritos também em Termos de Nível Intermediário (TNIs), pelo terapeuta e pelo cliente, como comportamentos de consciência, coragem e amor (denominado de Modelo ACL, do inglês Awareness, Courage and Love, Tsai et al., 2009). Os TNIs são conceitos baseados em uma abordagem puramente pragmática e desenvolvidos para serem autoexplicativos em termos de seu propósito e contexto (Hayes, Barnes-Holmes, & Wilson, 2012).
 
Os TNIs foram criados para simplificar a complexidade humana sem excluir ou minimizar suas qualidades e características mais importantes. São utilizados como uma tentativa deliberada de demonstrar humildade e frouxidão ao referir-se a abstrações complexas como o reforçamento ou a transformação de estímulos. O objetivo de sua adoção é produzir melhores resultados e facilitar o desenvolvimento do conhecimento na Ciência Contextual Comportamental (CBS) (Hayes et al., 2012).
 
O modelo de flexibilidade psicológica subjacente à Terapia de Aceitação e Compromisso é um exemplo. Abrange os conceitos principais de aceitação, desfusão, atenção flexível para o agora, valores, eu-como-contexto e ação comprometida. Nenhum desses conceitos se trata de um termo técnico; nenhum deles tem o mesmo grau de precisão, escopo e profundidade que os princípios comportamentais clássicos, como o reforço, e nem de conceitos técnicos da Teoria das Molduras Relacionais, como a transformação de funções dos estímulos (Hayes et al., 2012).
 
Uma apresentação emblemática da FAP a partir da adoção destes TNIs foi realizada por Kuczynski et al. (2020) em um trabalho sobre a avaliação das propriedades psicométricas da Awareness, Courage and Responsivity Scale (ACRS). A escala contém 24 itens que descrevem as habilidades a serem avaliadas. Estes devem ser respondidos com uma escala Likert de 1 (nunca ocorre) a 7 (sempre ocorre) pontos. São avaliados cinco construtos: a escala como um todo (Total), que teoricamente se refere à habilidade geral do respondente de criar e manter relacionamentos íntimos com boa qualidade; Consciência Sobre o Outro, com itens como ‘Estou ciente dos momentos em que é apropriado ser cuidadoso, solidário e amoroso para com os outros’; Consciência Pessoal, com afirmações como ‘Eu percebo a forma como as outras pessoas afetam os meus sentimentos’; Coragem, contendo assertivas como ‘Eu não deixo um conflito me impedir de alcançar aquilo que tem valor para mim’; e Responsividade, que compreende declarações como ‘Eu ajo compassivamente para com os outros quando estão em necessidade’.
 
Neste trabalho, os autores enfatizam que os déficits de funcionamento social, incluindo déficits na intimidade, são fortes fatores de risco para o sofrimento psicológico em geral, além de problemas de saúde física e de várias psicopatologias específicas. A título de ilustração, apresentam a revisão de Wetterneck e Hart (2012), que conclui que a intimidade se trata de uma categoria transdiagnóstica.
 
No trabalho de Wetterneck e Hart (2012), que objetivou apontar o papel da intimidade em diversas psicopatologias e argumentar que a FAP se trata de uma adição interessante à Terapia Cognitiva Comportamental (TCC) por promover a intimidade, é apresentado que, no caso da depressão, o funcionamento psicossocial prevê as mudanças nos sintomas (e não o contrário), contribuindo para a redução destes. Eles também articulam pesquisas sobre o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) e mostram que, nas intervenções estudadas, as habilidades interpessoais e a intimidade enfatizam a diminuição de solicitações por acomodação3 e a redução de sua provisão por parte dos membros da família da pessoa com o TOC. Também, os sintomas resultam em sofrimento conjugal persistente entre os casais e os adolescentes com o transtorno apresentam nível inferior de habilidades sociais mesmo após o tratamento com a TCC tradicional. Finalmente, aponta-se que sessões de exposição acompanhadas por terapeutas produzem melhora superior às de autoaplicação, provavelmente devido ao feedback do terapeuta sobre a implementação adequada das técnicas e às variáveis ​​interpessoais, como a confiança no terapeuta (Wetterneck & Hart, 2012).
 
Os autores ainda encontraram pesquisas considerando que excessivos déficits de intimidade são comuns na etiologia da Tricotilomania, sendo que o tratamento administrado logo após o início do transtorno ajuda a evitar os problemas que irão surgir a longo prazo, provavelmente porque são prevenidos pela melhora dos comportamentos interpessoais. No entanto, é comum que os clientes procurem por ajuda tardiamente, quando é mais difícil se comprometer com a tentativa de se engajar em comportamentos íntimos. Por exemplo, é difícil solicitar ao cliente que se exponha a ambientes sociais depois que ele estiver com as falhas no couro cabeludo (Wetterneck & Hart, 2012).
 
Finalmente, Wetterneck e Hart (2012) discutem problemas clínicos comuns, como a Bulimia Nervosa, que é tratada com igual eficácia, para resultados a longo prazo, pela Terapia Interpessoal e pela TCC; os transtornos da personalidade, cujo resultado terapêutico é afetado pela intensidade das dificuldades com o funcionamento interpessoal, exigindo que este receba atenção no processo de avaliação e que se enfatize o aumento da intimidade; e problemas clínicos conjugais, para os quais é relatado que a criação de uma zona de segurança, apoio e compaixão entre os casais resulta em mudanças efetivas.
 
Para Kuczynski et al. (2020), a FAP é considerada uma intervenção contextual-comportamental cujo objetivo envolve diminuir estes déficits no funcionamento interpessoal por meio do reforçamento, mediado pelo terapeuta em sessão, das habilidades para relacionar-se intimamente.
 
Kuczynski et al. (2020) discutem que apesar das pesquisas de delineamento de sujeito único acerca da eficácia do mecanismo de ação da FAP serem favoráveis (Singh & O’Brien, 2018)4, é necessário analisar sua eficácia e generalização utilizando delineamentos de grupo. Dessa forma, o artigo de Kuczynski et al. (2020) apresenta o desenvolvimento e a avaliação psicométrica da ACRS (descrita brevemente acima), que utilizou como referenciais teóricos os princípios da CBS (Hayes et al., 2012) e o Modelo Processual da Intimidade (MPI) (Reis & Shaver, 1988).
 
O MPI (Reis & Shaver, 1988) é interpretado em termos de objetivos comportamentais específicos e importantes para o desenvolvimento da intimidade. Um exemplo desta possibilidade é a operacionalização do MPI como regras terapêuticas e CCR2s para a FAP, em que a evocação do CCR é categorizada como um ato de coragem do terapeuta, a autorrevelação do cliente, também um ato de coragem, e a resposta reforçadora dessa autorrevelação, dada pelo terapeuta, é um ato de amor (Maitland, Kanter, Manbeck, & Kuczynski, 2017).
 
Kuczynski et al. (2020) definem seus TNIs em termos de construtos da escala, afirmando que se tratam de objetivos comportamentais, passíveis de intervenção psicoterapêutica e em linguagem acessível aos clínicos. Para os autores, consciência inclui a noção de ‘filtros interpretativos’ proposta por Reis e Shaver (1988), envolvendo prestar atenção aos fatores que influenciam uma interação íntima com a intenção de aumentar o próprio controle voluntário sobre o comportamento subsequente e aumentar a probabilidade de um relacionamento íntimo bem-sucedido ser construído.
 
 

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