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SUN TZU E SUA ERA

created Aug 9th 2021, 18:22 by Joao Guimaraes


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O período de Primavera e Outono
O estado de Chou, que derrubou legitimamente o decadente Shang para instituir, em 1054 a.C.,
sua própria dinastia sobre um declarado fundamento de virtude moral e benevolência,
estabeleceu sua autoridade enviando grupos do clã real para domínios inimigos ou instáveis. No
entanto, em poucas gerações, os Chou começaram a sofrer pressões nômades no norte e oeste;
desse modo, a busca por aliados, recursos e força política teve que ser redirecionada para o sul
e sudeste. Muitos dos primeiros reis Chou se encarregaram com entusiasmo de campanhas
militares para o sul, com resultados diversos, e o Rei Chao, o quinto do reino, até pereceu
misteriosamente, levando à acusação tantas vezes repetida de que o estado de Ch’u o havia
assassinado. Embora os membros dos clãs governantes emigrassem originariamente para essas
áreas com propósitos defensivos, essa ofensiva ao sul passou a ser de natureza essencialmente
cultural. Os povos que circundavam os primeiros enclaves de Chou tornaram-se gradualmente
achinesados, particularmente enquanto adquiriam um gosto, e em seguida uma necessidade,
pelos produtos e tecnologias de Chou. Inúmeros pequenos estados alegavam-se com orgulho
descendentes de um ou outro membro da família real de Chou, e a maioria, ao menos
nominalmente, aliou-se aos Chou, e posteriormente aos estados mais fortes do norte que
emergiram quando o poder de Chou declinou visivelmente.
 
O período de Primavera e Outono (722-481 a.C.) foi caracterizado por grandes
personalidades, intrigas inescapáveis, assassinatos, a progressiva expansão da guerra e o
desdobramento de dramas estarrecedores em meio aos quais estados inteiros ascenderam e
pereceram, frequentemente aos caprichos de indivíduos dominantes. Testemunhou a ascensão de
grandes famílias e seu conflito inevitável, muitas vezes brutal, com a nobreza governante de
Chou mais antiga, assim como a emergência destrutiva de sete grandes estados, cada um
supostamente capaz de reunir 10.000 carros. No início do século IV, o estado de Chin havia
formado seis exércitos, usurpando claramente a prerrogativa real de Chou, e podia facilmente
mobilizar 75.000 homens sempre que necessário. (Esses mesmos seis exércitos, sob o controle
de facções rivais, dividiriam por fim o estado, enquanto as seis famílias ministeriais lutavam
pela autoridade máxima.) Fundado originalmente pela casa real de Chou, o imponente Chin
abdicou então de sua função hegemônica, isto é, de ser o governante de fato, sob o pretexto
legitimador de manter o governo de Chou, e coagiu os outros estados a reconhecerem
formalmente e mesmo santificarem a função prestigiosa do governo de Chou.
 
Embora os estados centrais lutassem vigorosamente entre si por supremacia relativa,
mantinham em comum um senso de identidade, distinguindo-se deliberadamente das áreas e
povos “bárbaros” incivilizados. Por conseguinte, observaram ao mesmo tempo com desdém e
ansiedade o rápido desenvolvimento das áreas selvagens do sul, onde os estados de Ch’u (que
estimulou de maneira significativa o pensamento de Sun Tzu), Wu (o lar das atividades de Sun
Tzu) e Yueh (o inimigo de Wu) se formavam. Também temiam o estado cada vez menos
submisso de Ch’in, no coração do antigo território de Chou. O sul não era apenas diferente, mas
gozava também de vantagens distintas, entre as quais um clima mais quente e produtivo,
recursos aquáticos abundantes e extensos rios, lagos, montanhas e florestas densas. Um bastião
natural que frequentemente tornava inúteis as guerras que se utilizavam primordialmente dos
carros, o terreno desencorajava invasões pelo norte, ao mesmo tempo que compelia o
desenvolvimento das forças navais. Essas forças navais do interior aproveitavam-se das
habilidades que os nativos haviam desenvolvido para explorar os rios Yangtze, Han e Huai, os
numerosos lagos e os extensos charcos.
 
O poderoso estado de Wu alegava ser ainda mais antigo que o próprio Chou, fundado
supostamente pelo filho mais velho de um antigo antepassado de Chou. Pelo fato de que a maior
parte do estado ocupava uma planície aluvial, formada pelo rio Yangtze, Wu possuía apenas
pequenas montanhas e carecia de tudo o mais; aproximadamente quinze por cento de sua área
era úmida e formada por charcos, rios, lagos e lagoas. (Esses obstáculos naturais
provavelmente estimularam Sun Tzu a desenvolver princípios táticos baseados na forma do
terreno.) Antes de Sun Tzu assumir sua função consultiva, os estados contíguos de Wu e Ch’u
haviam lutado por mais de cinquenta anos. Embora Ch’u fosse inicialmente forte, com o passar
das décadas Wu iniciava ações cada vez mais agressivas, forçando Ch’u a empreender
preparações defensivas massivas, entre as quais a construção de cidades muradas e outras
fortificações, que tiveram início aproximadamente em 538 a.C. Wu também beneficiou-se da
tendência de Ch’u a reprimir brutalmente povos minoritários e estados menores da região,
encontrando facilmente inúmeros aliados e apoio local entre eles. Explorando o senso de
identidade comum promovido pelo confronto com um inimigo mútuo, Wu pôde utilizar-se deles
para obter apoio material, guias locais e inteligência de campo, um importante elemento na
doutrina geral de Sun Tzu.
 
Por ser um estado jovem, Wu se caracterizava por uma autoconsciência em desenvolvimento,
mas ainda assim era em geral governado por líderes dinâmicos, que em grande medida evitavam
as armadilhas da extravagância e da decadência. Ao invés de explorar ou esgotar o povo, seus
reis promoviam políticas para nutri-lo, aumentar a população e estimular a produtividade. Por
consequência, ao longo de suas numerosas campanhas militares, os guerreiros de Wu eram
corajosos e enérgicos, suportavam intensas privações e frequentemente transformavam a derrota
em vitória. Sua liderança era também mais unificada que em outros estados, talvez por conta da
flexibilidade do exército e de sua habilidade para reagir rapidamente. Além disso, que seus
exércitos eram menos numerosos em praticamente todos os confrontos com os exércitos de Ch’u,
os líderes de Wu tinham que desenvolver táticas criativas e necessariamente evitar ataques
frontais e de força bruta, que poderiam dizimar suas tropas, uma abordagem que se refletiu na
ênfase de Sun Tzu nas manobras de guerra e em evitar confrontos diretos com inimigos
superiores. Os ataques de Wu acentuavam velocidade e mobilidade, empregavam muitas vezes
ardis e estratagemas engenhosos, e concentravam-se em frustrar os planos e movimentos do
inimigo todos princípios cardeais de A arte da guerra.
 
Por outro lado, Wu também montava defesas tão temíveis que os exércitos de Ch’u
dificilmente descobriam alguma fraqueza para explorar. Os esforços de Wu anteriores a Sun Tzu
exemplificaram claramente e forneceram, talvez, a base histórica para muitos dos principais
ensinamentos de A arte da guerra, entre os quais: “Subjugar o exército inimigo sem lutar é o
verdadeiro ápice da excelência. A estratégia para empregar o exército não é confiar em que o
inimigo não virá, mas ter em nossas mãos os meios de esperá-lo. Não confiar em que ele não
atacará, mas termos nós uma posição inatacável. Quando alguém excele na defesa, o inimigo não
sabe onde atacar. Se não quero travar combate, mesmo que eu simplesmente desenhe uma linha
no chão e a defenda, ele não conseguirá fazer-me combater, porque nós frustraremos seus
movimentos.”
 
No primeiro ano do reinado do Rei Ho-lu, após alguns anos de preparação, Wu removeu sua
capital para Ku-su, perto da moderna Su-chou. A nova capital, erigida no modelo de Chou com
muralhas fortificadas internas e externas, evidencia claramente a eficiência da administração
burocrática de Wu, bem como seus recursos materiais e capacidade de planejamento. A cidade
era imensa, o perímetro de seus muros internos media, de acordo com relatos, 30 quilômetros, e
dos externos alcançava 50 quilômetros. Construída às margens do Lago T’ai Hu, situava-se ao
longo da primeira seção de uma futura rede de extensos canais que seriam de grande
importância para a história chinesa. Desenvolvida aparentemente para transportar grãos e
fomentar o comércio, essa primeira seção de canais foi, no entanto, primordialmente estratégica,
designada para facilitar o movimento das tropas em direção ao norte.
 

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