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Pálido Ponto Azul - Os Errantes: Uma Introdução (Parte 01)
created Jan 16th 2019, 14:00 by Residober
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Fomos errantes desde o início. Conhecíamos a posição de todas as árvores
num raio de duzentos quilômetros. Quando os frutos ou as castanhas amadureciam, lá
estávamos nós. Seguíamos os rebanhos em suas migrações anuais. Deleitávamos-nos
com a carne fresca. Por ações furtivas, estratagemas, emboscadas e ataques de força
bruta, alguns de nós realizávamos em conjunto o que muito de nós, sozinhos, não
podíamos conseguir. Dependíamos uns dos outros. Viver por conta própria era uma
idéia tão absurda quanto fixar residência.
Trabalhando juntos, protegíamos os filhos dos leões e das hienas.
Ensinávamos a eles as habilidades de que iriam precisar. E as ferramentas. Naquela
época, como agora, a tecnologia era a chave de nossa sobrevivência.
Quando a seca era prolongada, ou quando o frio se demorava no ar do verão,
nosso grupo partia – às vezes para terras desconhecidas. Procurávamos um lugar
melhor. E, quando não nos dávamos bem com os outros em nosso pequeno bando
nômade, partíamos à procura de um grupo mais amigável em algum outro lugar. Sempre
podíamos começar de novo.
Durante 99,99% do tempo, desde o aparecimento de nossa espécie, fomos
caçadores e saqueadores, errantes nas savanas e nas estepes. Não havia guardas de
fronteiras então, nem funcionários da alfândega. A fronteira estava por toda parte.
Éramos limitados apenas pela Terra, pelo oceano e pelo céu – e mais alguns eventuais
vizinhos rabugentos.
No entanto, quando o clima era adequado, quando os alimentos eram
abundantes, tínhamos vontade de ficar no mesmo lugar. Sem aventuras. Engordando.
Sem cuidados. Nos últimos 10 mil anos – um instante em nossa longa história –
abandonamos a vida nômade. Domesticamos as plantas e os animais. Por que correr
atrás do alimento quando se pode fazer com que ele venha até nós?
Apesar de todas as suas vantagens materiais, a vida sedentária nos deixou
irritáveis, insatisfeitos. Mesmo depois de quatrocentas gerações em vilas e cidades, não
esquecemos. A estrada aberta ainda nos chama suavemente, quase uma canção
esquecida da infância. Atribuirmos um certo romance aos lugares remotos. A minha
suspeita é de que o apelo tem sido meticulosamente elaborado pela seleção natural,
como um elemento essencial de nossa sobrevivência. Longos verões, invernos amenos,
ricas colheitas, caça abundante – nada disso dura pra sempre. Esta além dos nossos
poderes predizer o futuro. As catástrofes têm um modo de nos atacar sorrateiramente,
nos pegando desprevenidos. Talvez você deva sua vida, a de seu bando ou, até mesmo,
a de sua espécie a uns poucos inquietos - levados, por um desejo que mal podem
expressar ou compreender, a terras desconhecidas e a novos mundos.
Herman Melville, em Moby Dick, falou pelos errantes de todas às épocas e
meridianos: “Sou atormentado por um desejo constante pelo que é remoto. Gosto de
navegar mares proibidos...”.
Para os antigos gregos e romanos, o mundo conhecido compreendia a Europa
e reduzidas Ásia e África, tudo circundado por um intransponível Oceano do Mundo.
Os viajantes poderiam encontrar seres inferiores, chamados bárbaros, ou seres
superiores, chamados deuses. Toda árvore tinha a sua dríade, toda região o seu herói
lendário. Mas não havia assim tantos deuses, ao menos no inicio, talvez apenas uns
doze. Viviam nas montanhas, sob a Terra, no mar ou lá em cima do céu. Mandavam
mensagens às pessoas, intervinham nos assuntos humanos e cruzavam conosco.
À medida que passava o tempo e que a capacidade exploratória dos homens
acertava o seu passo, ocorriam surpresas: os bárbaros podiam ser tão inteligentes quanto
os gregos e os romanos. A África e a Ásia eram maiores do que se tinha pensado. O
Oceano do Mundo não era intransponível. Havia antípodas. Existiam três novos
continentes, ocupados pelos asiáticos em eras passadas, sem que a notícia jamais tivesse
chegado à Europa. E, decepcionantemente, não era fácil encontrar os deuses.
A primeira grande migração humana do Velho Mundo para o Novo Mundo
aconteceu durante a última era glacial, cerca de 11 mil e 500 anos atrás, quando as
calotas polares aumentaram, deixando rasos os oceanos e permitindo caminhar sobre
terra seca da Sibéria para o Alasca. Mil anos mais tarde, estávamos na Terra do Fogo, a
extremidade meridional da América do Sul. Muito antes de Colombo, argonautas
indonésios em canoas de embono exploraram o Pacífico ocidental; habitantes de Bornéu
povoaram Madagascar; egípcios e líbios circunavegaram a África; e uma grande frota
de juncos adaptados para navegação marítima, partindo da China da dinastia Ming,
ziguezagueou pelo oceano Índico, estabeleceu uma base em Zanzibar, dobrou o cabo da
Boa Esperança e entrou no oceano Atlântico. Do século XV ao século XVII, as naus
européias descobriram novos continentes (novos para os europeus, pelos menos) e
circunavegaram o planeta. Nos séculos XVIII e XIX, exploradores, mercadores e
colonizadores norte-americanos e russos precipitaram-se para oeste e para lese
atravessando dois imensos continentes até chegarem ao Pacifico. Esse gosto de
investigar e explorar, por mais temerários que tenham sido seus agentes, tem um claro
valor e sobrevivência. Ele não é restrito a uma única nação ou grupo étnico. É um dom
natural comum a todos os membros da espécie humana.
Desde o nosso aparecimento, há alguns milhões de anos, na África Oriental,
seguimos nosso caminho cheio de meandros ao redor do planeta. Agora existem pessoas
em todos os continentes e nas ilhas mais remotas, de pólo a pólo, do monte Everest ao
mar Morto, no fundo dos oceanos e até, ocasionalmente, residindo trezentos
quilômetros acima da Terra – humanos, como os deuses de outrora, vivendo no céu.
Nos dias de hoje não parece haver mais nenhum lugar para explorar, ao menos
na área terrestre do planeta. Vitimas de seu próprio sucesso, os exploradores agora
ficam bastante tempo em casa.
As grandes migrações de povos – algumas voluntárias, a maioria involuntária
– têm moldado a condição humana. Hoje fugimos da guerra, da opressão e da fome
mais do que qualquer outra época na historia humana. Quando o clima na Terra mudar,
nas próximas décadas, provavelmente aumentarão os refugiados ambientais. Lugares
melhores sempre nos atrairão. As marés de povos vão continuar o seu fluxo e refluxo
por todo o planeta. Mas as terras para onde agora corremos já foram povoadas. Outras
pessoas, que muitas vezes não compreendem nossa situação, já ali se encontram antes
de nós.
No final do século XIX, Leib Gruber crescia na Europa Central, em uma
cidade obscura do imenso, poliglota e antigo Império Austro-Húngaro. Seu pai vendia
peixe sempre que possível. Mas os tempos eram freqüentemente difíceis. Jovem, o
único emprego honesto que Leib conseguiu arrumar foi o de carregar as pessoas que
queriam atravessar o rio Bug ali perto. O cliente, homem ou mulher, montava nas costas
de Leib; com suas botas valiosas, a sua ferramenta de trabalho, ele vadeava um trecho
raso do rio e depositava o passageiro na margem oposta. Às vezes, a água chegava até a
sua cintura. Não havia pontes naquele ponto, nem barcas. Os cavalos poderiam ter
servido para esse fim, mas tinham outras tarefas a cumprir. Só restavam Leib a alguns
outros jovens como ele. Eles é que não tinham outra serventia. Não havia outro
trabalho. Ficavam perambulando pelas margens do rio, gritando os seus preços,
vangloriando-se da superioridade de seu carreto para clientes em potencial. Alugavamse como animais de quatro patas. Meu avô era uma besta de carga.
Não acho que, em toda a sua juventude, Leib tenha se aventurado mais que uns
cem quilômetros além de sua cidadezinha natal, Sassow. Mas de repente, em 1904, ele
fugiu para o Novo Mundo – para evitar uma condenação por assassinato, segundo uma
lenda familiar. Partiu sem a sua jovem mulher. Como as grandes cidades portuárias
alemãs devem ter lhe parecido imenso a seus olhos e como deve ter estranhado os altos
arranha-céus e o alarido incessante de sua nova terra! Nada sabemos de sua travessia,
mas encontramos o formulário do navio para a viagem empreendida mais tarde pela
mulher Chaiya – que se reuniu a Leib depois que este poupou o suficiente para mandar
busca-la. Ela viajou na classe mais barata do Batavia, uma embarcação com registro de
Hamburgo. O documento tem uma concisão comovente: Sabe ler ou escrever? Não.
Sabe falar inglês? Não. Quando dinheiro tem? Posso imaginar sua vulnerabilidade e
vergonha ao responder: “Um dólar”.
Ela desembarcou em Nova York, reuniu-se a Leib e ainda viveu o suficiente
para dar à luz a minha mãe e sua irmã, morrendo mais tarde de complicações de parto.
Nesses poucos anos na América, seu nome fora, às vezes, anglicizado para Clara. Um
quarto de século mais tarde, o nome que minha mãe deu a seu filho primogênito era
uma homenagem à mãe que nunca conheceu.
Nossos antepassados distantes, observando as estrelas, notaram cinco que
faziam mais que levanta-se e pôr-se numa marcha impassível, como era o caso das
assim chamadas estrelas “fixas”. Essas cinco tinham um movimento curioso e
complexo. Ao longo dos meses, pareciam errar lentamente entre as estrelas. Às vezes,
andavam em círculo. Hoje nós as chamamos de planetas, a palavra grega para errantes.
Era, assim imagino, uma peculiaridade que nossos antepassados compreendiam.
Sabemos agora que os planetas não são estrelas, mas outros mundos,
impelidos gravitacionalmente para o sol. Exatamente quando a exploração da Terra
estava sendo completada, começamos a reconhecê-la como um mundo na multidão
inumerável de outros mundos que circulam ao redor do Sol ou giram em torno de outras
estrelas que formam a galáxia da Via Láctea. Nosso planeta e nosso sistema solar são
circundados por um novo oceano do mundo – os abismos do espaço. Não é mais
intransponível que o anterior.
num raio de duzentos quilômetros. Quando os frutos ou as castanhas amadureciam, lá
estávamos nós. Seguíamos os rebanhos em suas migrações anuais. Deleitávamos-nos
com a carne fresca. Por ações furtivas, estratagemas, emboscadas e ataques de força
bruta, alguns de nós realizávamos em conjunto o que muito de nós, sozinhos, não
podíamos conseguir. Dependíamos uns dos outros. Viver por conta própria era uma
idéia tão absurda quanto fixar residência.
Trabalhando juntos, protegíamos os filhos dos leões e das hienas.
Ensinávamos a eles as habilidades de que iriam precisar. E as ferramentas. Naquela
época, como agora, a tecnologia era a chave de nossa sobrevivência.
Quando a seca era prolongada, ou quando o frio se demorava no ar do verão,
nosso grupo partia – às vezes para terras desconhecidas. Procurávamos um lugar
melhor. E, quando não nos dávamos bem com os outros em nosso pequeno bando
nômade, partíamos à procura de um grupo mais amigável em algum outro lugar. Sempre
podíamos começar de novo.
Durante 99,99% do tempo, desde o aparecimento de nossa espécie, fomos
caçadores e saqueadores, errantes nas savanas e nas estepes. Não havia guardas de
fronteiras então, nem funcionários da alfândega. A fronteira estava por toda parte.
Éramos limitados apenas pela Terra, pelo oceano e pelo céu – e mais alguns eventuais
vizinhos rabugentos.
No entanto, quando o clima era adequado, quando os alimentos eram
abundantes, tínhamos vontade de ficar no mesmo lugar. Sem aventuras. Engordando.
Sem cuidados. Nos últimos 10 mil anos – um instante em nossa longa história –
abandonamos a vida nômade. Domesticamos as plantas e os animais. Por que correr
atrás do alimento quando se pode fazer com que ele venha até nós?
Apesar de todas as suas vantagens materiais, a vida sedentária nos deixou
irritáveis, insatisfeitos. Mesmo depois de quatrocentas gerações em vilas e cidades, não
esquecemos. A estrada aberta ainda nos chama suavemente, quase uma canção
esquecida da infância. Atribuirmos um certo romance aos lugares remotos. A minha
suspeita é de que o apelo tem sido meticulosamente elaborado pela seleção natural,
como um elemento essencial de nossa sobrevivência. Longos verões, invernos amenos,
ricas colheitas, caça abundante – nada disso dura pra sempre. Esta além dos nossos
poderes predizer o futuro. As catástrofes têm um modo de nos atacar sorrateiramente,
nos pegando desprevenidos. Talvez você deva sua vida, a de seu bando ou, até mesmo,
a de sua espécie a uns poucos inquietos - levados, por um desejo que mal podem
expressar ou compreender, a terras desconhecidas e a novos mundos.
Herman Melville, em Moby Dick, falou pelos errantes de todas às épocas e
meridianos: “Sou atormentado por um desejo constante pelo que é remoto. Gosto de
navegar mares proibidos...”.
Para os antigos gregos e romanos, o mundo conhecido compreendia a Europa
e reduzidas Ásia e África, tudo circundado por um intransponível Oceano do Mundo.
Os viajantes poderiam encontrar seres inferiores, chamados bárbaros, ou seres
superiores, chamados deuses. Toda árvore tinha a sua dríade, toda região o seu herói
lendário. Mas não havia assim tantos deuses, ao menos no inicio, talvez apenas uns
doze. Viviam nas montanhas, sob a Terra, no mar ou lá em cima do céu. Mandavam
mensagens às pessoas, intervinham nos assuntos humanos e cruzavam conosco.
À medida que passava o tempo e que a capacidade exploratória dos homens
acertava o seu passo, ocorriam surpresas: os bárbaros podiam ser tão inteligentes quanto
os gregos e os romanos. A África e a Ásia eram maiores do que se tinha pensado. O
Oceano do Mundo não era intransponível. Havia antípodas. Existiam três novos
continentes, ocupados pelos asiáticos em eras passadas, sem que a notícia jamais tivesse
chegado à Europa. E, decepcionantemente, não era fácil encontrar os deuses.
A primeira grande migração humana do Velho Mundo para o Novo Mundo
aconteceu durante a última era glacial, cerca de 11 mil e 500 anos atrás, quando as
calotas polares aumentaram, deixando rasos os oceanos e permitindo caminhar sobre
terra seca da Sibéria para o Alasca. Mil anos mais tarde, estávamos na Terra do Fogo, a
extremidade meridional da América do Sul. Muito antes de Colombo, argonautas
indonésios em canoas de embono exploraram o Pacífico ocidental; habitantes de Bornéu
povoaram Madagascar; egípcios e líbios circunavegaram a África; e uma grande frota
de juncos adaptados para navegação marítima, partindo da China da dinastia Ming,
ziguezagueou pelo oceano Índico, estabeleceu uma base em Zanzibar, dobrou o cabo da
Boa Esperança e entrou no oceano Atlântico. Do século XV ao século XVII, as naus
européias descobriram novos continentes (novos para os europeus, pelos menos) e
circunavegaram o planeta. Nos séculos XVIII e XIX, exploradores, mercadores e
colonizadores norte-americanos e russos precipitaram-se para oeste e para lese
atravessando dois imensos continentes até chegarem ao Pacifico. Esse gosto de
investigar e explorar, por mais temerários que tenham sido seus agentes, tem um claro
valor e sobrevivência. Ele não é restrito a uma única nação ou grupo étnico. É um dom
natural comum a todos os membros da espécie humana.
Desde o nosso aparecimento, há alguns milhões de anos, na África Oriental,
seguimos nosso caminho cheio de meandros ao redor do planeta. Agora existem pessoas
em todos os continentes e nas ilhas mais remotas, de pólo a pólo, do monte Everest ao
mar Morto, no fundo dos oceanos e até, ocasionalmente, residindo trezentos
quilômetros acima da Terra – humanos, como os deuses de outrora, vivendo no céu.
Nos dias de hoje não parece haver mais nenhum lugar para explorar, ao menos
na área terrestre do planeta. Vitimas de seu próprio sucesso, os exploradores agora
ficam bastante tempo em casa.
As grandes migrações de povos – algumas voluntárias, a maioria involuntária
– têm moldado a condição humana. Hoje fugimos da guerra, da opressão e da fome
mais do que qualquer outra época na historia humana. Quando o clima na Terra mudar,
nas próximas décadas, provavelmente aumentarão os refugiados ambientais. Lugares
melhores sempre nos atrairão. As marés de povos vão continuar o seu fluxo e refluxo
por todo o planeta. Mas as terras para onde agora corremos já foram povoadas. Outras
pessoas, que muitas vezes não compreendem nossa situação, já ali se encontram antes
de nós.
No final do século XIX, Leib Gruber crescia na Europa Central, em uma
cidade obscura do imenso, poliglota e antigo Império Austro-Húngaro. Seu pai vendia
peixe sempre que possível. Mas os tempos eram freqüentemente difíceis. Jovem, o
único emprego honesto que Leib conseguiu arrumar foi o de carregar as pessoas que
queriam atravessar o rio Bug ali perto. O cliente, homem ou mulher, montava nas costas
de Leib; com suas botas valiosas, a sua ferramenta de trabalho, ele vadeava um trecho
raso do rio e depositava o passageiro na margem oposta. Às vezes, a água chegava até a
sua cintura. Não havia pontes naquele ponto, nem barcas. Os cavalos poderiam ter
servido para esse fim, mas tinham outras tarefas a cumprir. Só restavam Leib a alguns
outros jovens como ele. Eles é que não tinham outra serventia. Não havia outro
trabalho. Ficavam perambulando pelas margens do rio, gritando os seus preços,
vangloriando-se da superioridade de seu carreto para clientes em potencial. Alugavamse como animais de quatro patas. Meu avô era uma besta de carga.
Não acho que, em toda a sua juventude, Leib tenha se aventurado mais que uns
cem quilômetros além de sua cidadezinha natal, Sassow. Mas de repente, em 1904, ele
fugiu para o Novo Mundo – para evitar uma condenação por assassinato, segundo uma
lenda familiar. Partiu sem a sua jovem mulher. Como as grandes cidades portuárias
alemãs devem ter lhe parecido imenso a seus olhos e como deve ter estranhado os altos
arranha-céus e o alarido incessante de sua nova terra! Nada sabemos de sua travessia,
mas encontramos o formulário do navio para a viagem empreendida mais tarde pela
mulher Chaiya – que se reuniu a Leib depois que este poupou o suficiente para mandar
busca-la. Ela viajou na classe mais barata do Batavia, uma embarcação com registro de
Hamburgo. O documento tem uma concisão comovente: Sabe ler ou escrever? Não.
Sabe falar inglês? Não. Quando dinheiro tem? Posso imaginar sua vulnerabilidade e
vergonha ao responder: “Um dólar”.
Ela desembarcou em Nova York, reuniu-se a Leib e ainda viveu o suficiente
para dar à luz a minha mãe e sua irmã, morrendo mais tarde de complicações de parto.
Nesses poucos anos na América, seu nome fora, às vezes, anglicizado para Clara. Um
quarto de século mais tarde, o nome que minha mãe deu a seu filho primogênito era
uma homenagem à mãe que nunca conheceu.
Nossos antepassados distantes, observando as estrelas, notaram cinco que
faziam mais que levanta-se e pôr-se numa marcha impassível, como era o caso das
assim chamadas estrelas “fixas”. Essas cinco tinham um movimento curioso e
complexo. Ao longo dos meses, pareciam errar lentamente entre as estrelas. Às vezes,
andavam em círculo. Hoje nós as chamamos de planetas, a palavra grega para errantes.
Era, assim imagino, uma peculiaridade que nossos antepassados compreendiam.
Sabemos agora que os planetas não são estrelas, mas outros mundos,
impelidos gravitacionalmente para o sol. Exatamente quando a exploração da Terra
estava sendo completada, começamos a reconhecê-la como um mundo na multidão
inumerável de outros mundos que circulam ao redor do Sol ou giram em torno de outras
estrelas que formam a galáxia da Via Láctea. Nosso planeta e nosso sistema solar são
circundados por um novo oceano do mundo – os abismos do espaço. Não é mais
intransponível que o anterior.
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